O Poço se tornou um fenômeno da Netflix logo após o seu lançamento com uma narrativa sombria e símbolica que consegue mexer com a cabeça de qualquer um. Dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia o filme nos joga dentro de uma prisão vertical onde os prisioneiros dependem de uma plataforma de comida que desce pelos andares. Cada nível da prisão na verdade se trata de uma metáfora para uma camada diferente de nossa sociedade e do comportamento humano.
A Estrutura do Poço: Uma Crítica ao Sistema
A trama de O Poço nos apresenta a uma prisão vertical composta por 333 andares, onde a plataforma de comida começa cheia no nível 0 e desce até o último. As pessoas que estão nos níveis superiores comem à vontade, enquanto as que estão abaixo dependem dos restos, ou pior, ficam sem nada. O filme utiliza essa estrutura para criticar diretamente as desigualdades sociais e o egoísmo humano. A metáfora é muito clara: aqueles que estão “no topo” da pirâmide social consomem desenfreadamente, ignorando os que estão “abaixo”. A desigualdade extrema faz com que os que estão nos andares inferiores entrem em um estado de total desespero, recorrendo até ao canibalismo.
O comportamento dos prisioneiros muda de acordo com o andar em que estão. Quando estão próximos do topo vivem em relativa tranquilidade; quando caem para os níveis inferiores sua moralidade é se desfaz rapidamente pela fome e desespero. Essa inversão reflete a dinâmica de poder que temos na sociedade onde os privilegiados muitas vezes ignoram as dificuldades de quem está abaixo deles.
Uma possível Metáfora Esotérica: O Samsara e o Demiurgo
Além da crítica social evidente, possivelmente existe uma camada esotérica no filme, notada por alguns, que sugere que o “Poço” é uma metáfora para o ciclo de renascimento (Samsara), onde as pessoas reencarnam em diferentes estados de vida (ou andares). O conceito de Demiurgo e os seus Arcontes, figuras que administram um mundo imperfeito e permitindo o sofrimento dos seus habitantes, também é associado à administração do poço. Os funcionários da administração seriam os anjos, que servem ao Demiurgo mas não têm o poder de mudar o sistema, sendo eles mesmos vítimas do ciclo do Samsara.
Os andares representam certos estados de existência: quanto mais distante do nível 0, mais difícil é sobreviver, e mais o ser humano se afasta de sua moralidade, refletindo a decadência espiritual. Essa interpretação sugere que o Poço é, de fato, uma espécie de Inferno, onde a única forma de escapar é pela negação do ego, representada no final do filme.
A Criança e o Final Ambíguo
O ponto de virada ocorre quando Goreng e Baharat, que tentavam subir a plataforma com uma panna cotta intacta como “mensagem” para os administradores chegam ao nível 333 e encontram uma criança. A descoberta é chocante porque a administração afirmava que menores de 16 anos não estavam presentes no Poço. Nesse momento, Goreng decide que a verdadeira mensagem não é a panna cotta, mas a própria menina, que representa a inocência e a esperança em meio ao caos.
A ascensão da menina no final levanta inúmeras questões. O diretor Galder Gaztelu-Urrutia revelou que o final foi pensado para ser ambíguo, deixando o público se perguntar se a menina realmente chegou ao nível 0 e se a mensagem teria algum impacto sobre os administradores. O diretor também sugeriu que Goreng já estava morto antes de chegar ao fundo do poço, tornando as cenas finais uma interpretação subjetiva de seu sacrifício.
Essa ambiguidade serve como um símbolo da própria condição humana: mesmo quando uma mensagem de mudança é enviada será que o sistema realmente se importa? A menina pode ser vista como uma metáfora de esperança.
O Significado Final: Um Espelho da Realidade
Seja pela lente de uma crítica social ao capitalismo ou por uma visão esotérica ou espiritual O Poço nos força a confrontar a natureza humana em situações extremas. O filme nos coloca diante de uma pergunta simples, mas importante: será que nós, se estivessemos em posições de privilégio, seríamos solidários com aqueles que estão abaixo? Ou nos tornamos parte do problema consumindo mais do que precisamos enquanto outros passam fome?
A resposta que o filme oferece não é absoluta. Embora exista a possibilidade de redenção e mudança, o verdadeiro vilão não é simplesmente a administração ou o sistema, mas o egoísmo.
Se você ainda não assistiu, O Poço está disponível na Netflix e é uma das distopias mais profundas e desconfortáveis que o serviço de streaming já ofereceu.